No seu livro "A infância de Jesus"
Actualizado 5 Janeiro 2013
O papa Bento XVI, no seu último livro “A infância de Jesus”, editado por Planeta, inclina-se para considerar que o relato evangélico dos Reis Magos é histórico e não só uma narração catequética da primeira comunidade cristã.
O papa procurou reunir em muito pouco espaço, e com uma linguagem muito acessível, as principais teorias sobre a origem e significado do episódio dos, até agora, sábios do Oriente. Mas e se chegaram de Ocidente? Não se sabe. Podiam proceder da Pérsia no Oriente. Mas Bento XVI aventura outra hipótese que deixa aberta e não desenvolve. Podiam ser reis de Tarsis, um lugar que se situava em África ou talvez no sul da península ibérica, como centro da cultura tartésica que florescia três vezes; neste espaço geográfico.
Diz o papa, no seu livro, respondendo a que tipo de homens eram aqueles que se puseram a caminho até o rei Jesus: “Talvez fossem astrónomos, mas não eram todos os que eram capazes de calcular a conjunção dos planetas, e a viam, veio-lhes a ideia de um rei em Judá, que tinha importância também para eles. Para que a estrela pudesse converter-se numa mensagem, devia ter circulado um vaticínio como o da mensagem de Balaán”.
Vários factores, explica, “podiam ter concorrido a que se pudesse perceber na linguagem da estrela uma mensagem de esperança. Mas todo ele era capaz de por em caminho só a quem era homem de uma certa inquietude interior, um homem de esperança, em busca da verdadeira estrela da salvação”.
Em busca da verdade
Para Bento XVI, os homens dos que fala o evangelista Mateus não eram unicamente astrónomos. “Eram ´sábios´; representavam o dinamismo inerente às religiões de ir mais além de si mesmas; um dinamismo que é busca da verdade, a busca do verdadeiro Deus, e portanto filosofia no sentido original da palavra”.
“Podemos dizer com razão – afirma - que representam o caminho das religiões até Cristo, assim como a auto-superação da ciência com vista a ele. Estão de certo modo seguindo Abraão, que se põe em marcha perante a chamada de Deus. De uma maneira diferente estão seguindo a Sócrates e ao seu perguntar-se sobre a verdade maior, mais além da religião oficial. Neste sentido, estes homens são predecessores, precursores, dos que procuravam a verdade, próprios de todos os tempos”.
Assegura que, de modo paralelo a como a tradição da Igreja leu o relato do Natal sobre o sussurro de Isaías 1,3, também leu a história dos Magos à luz do Salmos 72,10 e Isaías 60. “E desta maneira, os homens sábios do Oriente se converteram-se em reis, e com eles entraram na gruta [nas representações de Belém] os camelos e os dromedários”, afirma.
“A promessa contida nestes textos – acrescenta - estende a proveniência destes homens até o extremo Ocidente (Tarsis - Tartessos em Espanha), mas a tradição desenvolveu ulteriormente este anúncio da universalidade dos reinos daqueles soberanos, interpretando-os como reis dos três continentes então conhecidos: África, Ásia e Europa. O rei de cor aparece sempre: no reino de Jesus Cristo não há distinção pela raça ou a origem. Nele e por ele, a humanidade está unida sem perder a riqueza da variedade”.
O reino de Tartessos
Tartessos ou Tartéside foi o nome com o qual os gregos conheciam a que acreditavam primeira civilização do Ocidente. Possível herdeira da idade do Bronze final atlântico, desenvolveu-se no triângulo formado pelas actuais províncias de Sevilha, quase toda, e parte das de Huelva e Cádis, na costa sudoeste da península Ibérica, influindo sobre as terras do interior e o Algarve português.
Parece que, teve como eixo o rio Tartessos, que os romanos chamaram logo Betis, antes Oleum flumen (rio de azeite) e os árabes Guadalquivir (rio grande).
Os tartésios desenvolveram uma língua e escrita distinta à dos povos vizinhos e, na sua fase final, tiveram influências culturais de egípcios e fenícios.
A primeira fonte histórica que alude a Tartessos é a História de Heródoto, do século V a.C, que fala do rei Argantonio (Homem de prata), do que se diz que governou cem anos e se fala da sua incontável riqueza, sabedoria e generosidade.
Uma fonte mais tardia datada do século IV, do escritor romano Rufo Festo Avieno, que escreveu uma obra intitulada Ora maritima, conhecida também como “As costas marítimas”, poema no qual se descrevem as costas mediterrâneas.
O poeta afirma que utilizou fontes antiquíssimas de autor desconhecido. Uma destas fontes data do século IV a.C, da que Avieno escreveu que era um "périplo", quer dizer, uma viagem de navegação costeira, realizada por um marinheiro grego e cartaginês, em que partindo das costas da Cornualha (Inglaterra) chegou até Massalia (Marselha). Como resultado daquela viagem narram-se os lugares visitados pelo desconhecido marinheiro, que proporciona as noticias mais antigas sobre a península ibérica.
Argantonio é o único rei de que se tem referências históricas. Sabe-se que foi o último rei de Tartessos. Viveu 120 anos segundo Heródoto, ainda que alguns historiadores pensem que podem referir-se a vários reis conhecidos pelo mesmo nome. Também diz Heródoto que o seu reinado durou 80 anos, desde o 630 a.C. ao 550 a.C. Propiciou o comércio com os gregos foceos durante 40 anos, os quais criaram várias colónias costeiras durante o seu reinado.
No século VI a.C, Tartessos desaparece abruptamente da história, possivelmente varrida por Cartago e as demais colónias fenícias --Gadir (Cádis), metrópole fenícia, encontrava-se em pleno reino tartessio- que, depois da batalha de Alalia, entre Cartago e Grécia, lhe fizeram pagar assim a sua aliança com os gregos focenses. Os romanos chamaram à ampla baía de Cádis Tartessius Sinus, mas o reino já não existia.
Na Bíblia, aparecem referências a um lugar chamado ´Tarshish´, também conhecido como ´Tarsis´ ou ´Tarsisch´. “Com efeito, o rei [Salomão] tinha no mar a frota de Tarsis, além da frota de Hiram; cada três anos a frota de Tarsis levava carregamentos de ouro e de prata, de marfim, de macacos e de babuínos”. (Livro dos Reis I, 10-22).
Na actualidade, alguns crêem que Salomão não se referia a Tartessos, mas sim que se referia ao porto de Aqaba, na península do Sinai.
Num texto do profeta Ezequiel (27, 12) (século VI a.C.) comenta-se que Tiro comerciava com Tarsis e neste caso é possível que se refira a Tartessos, dado que a Fenícia já tinha contactado com eles: “Tarsis comercializava contigo, pelas tuas riquezas de todo género, trocando as tuas mercadorias com prata, ferro, estanho e chumbo”.
O Livro de Jonas 1,3 (século VIII a.C.) diz: "Mas Jonas se levantou para ir a Tarsis, longe da presença de Yahvéh. Baixou a Yoppe e encontrou um navio que ia zarpar até Tarsis. Pagou a passagem e embarcou nele para ir com eles para Tarsis, longe da presença de Yahvéh".
Em todo o caso, os Reis Magos não podiam proceder de Tartessos da península ibérica porque, como não se sabe muito bem onde estava a Tarsis da Bíblia, toda a possibilidade fica aberta.
São a humanidade no caminho até Cristo
Sem dúvida, a Bento XVI interessam-lhe menos estes dados históricos, nos que tampouco aprofunda, para deter-se no significado profundo do facto para a nossa fé.
Por ele, afinal deste parágrafo dedicado aos sábios que visitaram e adoraram Jesus, afirma: “Mais tarde relacionou-se os três reis com as três idades da vida do homem: a juventude, a idade madura e a velhice. Também esta é uma ideia razoável, que faz ver como as diferentes formas da vida humana encontram o seu respectivo significado e a sua unidade interior na comunhão com Jesus”.
“Fica a ideia decisiva --conclui--: os sábios do Oriente são um início, representam a humanidade quando empreende o caminho até Cristo, inaugurando uma procissão que percorre toda a história. Não representam unicamente as pessoas que encontraram já a via que conduz até Cristo. Representam o desejo interior do espírito humano, a marcha das religiões e da razão humana ao encontro de Cristo”.
Actualizado 5 Janeiro 2013
O papa Bento XVI, no seu último livro “A infância de Jesus”, editado por Planeta, inclina-se para considerar que o relato evangélico dos Reis Magos é histórico e não só uma narração catequética da primeira comunidade cristã.
O papa procurou reunir em muito pouco espaço, e com uma linguagem muito acessível, as principais teorias sobre a origem e significado do episódio dos, até agora, sábios do Oriente. Mas e se chegaram de Ocidente? Não se sabe. Podiam proceder da Pérsia no Oriente. Mas Bento XVI aventura outra hipótese que deixa aberta e não desenvolve. Podiam ser reis de Tarsis, um lugar que se situava em África ou talvez no sul da península ibérica, como centro da cultura tartésica que florescia três vezes; neste espaço geográfico.
Diz o papa, no seu livro, respondendo a que tipo de homens eram aqueles que se puseram a caminho até o rei Jesus: “Talvez fossem astrónomos, mas não eram todos os que eram capazes de calcular a conjunção dos planetas, e a viam, veio-lhes a ideia de um rei em Judá, que tinha importância também para eles. Para que a estrela pudesse converter-se numa mensagem, devia ter circulado um vaticínio como o da mensagem de Balaán”.
Vários factores, explica, “podiam ter concorrido a que se pudesse perceber na linguagem da estrela uma mensagem de esperança. Mas todo ele era capaz de por em caminho só a quem era homem de uma certa inquietude interior, um homem de esperança, em busca da verdadeira estrela da salvação”.
Em busca da verdade
Para Bento XVI, os homens dos que fala o evangelista Mateus não eram unicamente astrónomos. “Eram ´sábios´; representavam o dinamismo inerente às religiões de ir mais além de si mesmas; um dinamismo que é busca da verdade, a busca do verdadeiro Deus, e portanto filosofia no sentido original da palavra”.
“Podemos dizer com razão – afirma - que representam o caminho das religiões até Cristo, assim como a auto-superação da ciência com vista a ele. Estão de certo modo seguindo Abraão, que se põe em marcha perante a chamada de Deus. De uma maneira diferente estão seguindo a Sócrates e ao seu perguntar-se sobre a verdade maior, mais além da religião oficial. Neste sentido, estes homens são predecessores, precursores, dos que procuravam a verdade, próprios de todos os tempos”.
Assegura que, de modo paralelo a como a tradição da Igreja leu o relato do Natal sobre o sussurro de Isaías 1,3, também leu a história dos Magos à luz do Salmos 72,10 e Isaías 60. “E desta maneira, os homens sábios do Oriente se converteram-se em reis, e com eles entraram na gruta [nas representações de Belém] os camelos e os dromedários”, afirma.
“A promessa contida nestes textos – acrescenta - estende a proveniência destes homens até o extremo Ocidente (Tarsis - Tartessos em Espanha), mas a tradição desenvolveu ulteriormente este anúncio da universalidade dos reinos daqueles soberanos, interpretando-os como reis dos três continentes então conhecidos: África, Ásia e Europa. O rei de cor aparece sempre: no reino de Jesus Cristo não há distinção pela raça ou a origem. Nele e por ele, a humanidade está unida sem perder a riqueza da variedade”.
O reino de Tartessos
Tartessos ou Tartéside foi o nome com o qual os gregos conheciam a que acreditavam primeira civilização do Ocidente. Possível herdeira da idade do Bronze final atlântico, desenvolveu-se no triângulo formado pelas actuais províncias de Sevilha, quase toda, e parte das de Huelva e Cádis, na costa sudoeste da península Ibérica, influindo sobre as terras do interior e o Algarve português.
Parece que, teve como eixo o rio Tartessos, que os romanos chamaram logo Betis, antes Oleum flumen (rio de azeite) e os árabes Guadalquivir (rio grande).
Os tartésios desenvolveram uma língua e escrita distinta à dos povos vizinhos e, na sua fase final, tiveram influências culturais de egípcios e fenícios.
A primeira fonte histórica que alude a Tartessos é a História de Heródoto, do século V a.C, que fala do rei Argantonio (Homem de prata), do que se diz que governou cem anos e se fala da sua incontável riqueza, sabedoria e generosidade.
Uma fonte mais tardia datada do século IV, do escritor romano Rufo Festo Avieno, que escreveu uma obra intitulada Ora maritima, conhecida também como “As costas marítimas”, poema no qual se descrevem as costas mediterrâneas.
O poeta afirma que utilizou fontes antiquíssimas de autor desconhecido. Uma destas fontes data do século IV a.C, da que Avieno escreveu que era um "périplo", quer dizer, uma viagem de navegação costeira, realizada por um marinheiro grego e cartaginês, em que partindo das costas da Cornualha (Inglaterra) chegou até Massalia (Marselha). Como resultado daquela viagem narram-se os lugares visitados pelo desconhecido marinheiro, que proporciona as noticias mais antigas sobre a península ibérica.
Argantonio é o único rei de que se tem referências históricas. Sabe-se que foi o último rei de Tartessos. Viveu 120 anos segundo Heródoto, ainda que alguns historiadores pensem que podem referir-se a vários reis conhecidos pelo mesmo nome. Também diz Heródoto que o seu reinado durou 80 anos, desde o 630 a.C. ao 550 a.C. Propiciou o comércio com os gregos foceos durante 40 anos, os quais criaram várias colónias costeiras durante o seu reinado.
No século VI a.C, Tartessos desaparece abruptamente da história, possivelmente varrida por Cartago e as demais colónias fenícias --Gadir (Cádis), metrópole fenícia, encontrava-se em pleno reino tartessio- que, depois da batalha de Alalia, entre Cartago e Grécia, lhe fizeram pagar assim a sua aliança com os gregos focenses. Os romanos chamaram à ampla baía de Cádis Tartessius Sinus, mas o reino já não existia.
Na Bíblia, aparecem referências a um lugar chamado ´Tarshish´, também conhecido como ´Tarsis´ ou ´Tarsisch´. “Com efeito, o rei [Salomão] tinha no mar a frota de Tarsis, além da frota de Hiram; cada três anos a frota de Tarsis levava carregamentos de ouro e de prata, de marfim, de macacos e de babuínos”. (Livro dos Reis I, 10-22).
Na actualidade, alguns crêem que Salomão não se referia a Tartessos, mas sim que se referia ao porto de Aqaba, na península do Sinai.
Num texto do profeta Ezequiel (27, 12) (século VI a.C.) comenta-se que Tiro comerciava com Tarsis e neste caso é possível que se refira a Tartessos, dado que a Fenícia já tinha contactado com eles: “Tarsis comercializava contigo, pelas tuas riquezas de todo género, trocando as tuas mercadorias com prata, ferro, estanho e chumbo”.
O Livro de Jonas 1,3 (século VIII a.C.) diz: "Mas Jonas se levantou para ir a Tarsis, longe da presença de Yahvéh. Baixou a Yoppe e encontrou um navio que ia zarpar até Tarsis. Pagou a passagem e embarcou nele para ir com eles para Tarsis, longe da presença de Yahvéh".
Em todo o caso, os Reis Magos não podiam proceder de Tartessos da península ibérica porque, como não se sabe muito bem onde estava a Tarsis da Bíblia, toda a possibilidade fica aberta.
São a humanidade no caminho até Cristo
Sem dúvida, a Bento XVI interessam-lhe menos estes dados históricos, nos que tampouco aprofunda, para deter-se no significado profundo do facto para a nossa fé.
Por ele, afinal deste parágrafo dedicado aos sábios que visitaram e adoraram Jesus, afirma: “Mais tarde relacionou-se os três reis com as três idades da vida do homem: a juventude, a idade madura e a velhice. Também esta é uma ideia razoável, que faz ver como as diferentes formas da vida humana encontram o seu respectivo significado e a sua unidade interior na comunhão com Jesus”.
“Fica a ideia decisiva --conclui--: os sábios do Oriente são um início, representam a humanidade quando empreende o caminho até Cristo, inaugurando uma procissão que percorre toda a história. Não representam unicamente as pessoas que encontraram já a via que conduz até Cristo. Representam o desejo interior do espírito humano, a marcha das religiões e da razão humana ao encontro de Cristo”.
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