quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Deus se faz homem: anúncio que soa sempre novo

Catequese de Bento XVI na primeira Audiência Geral de 2013

CIDADE DO VATICANO, Quarta-feira, 2 Janeiro 2013.
A Audiência Geral desta manhã ocorreu às 10h30 na Sala Paulo VI, onde o Santo Padre se encontrou com grupos de fiéis e peregrinos de todo o mundo. O Papa voltou a falar sobre o tempo litúrgico do Natal e do mistério de Deus feito homem. A Audiência Geral terminou com o canto do Pater Noster e a Benção Apostólica.

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Foi concebido por obra do Espírito Santo
Queridos irmãos e irmãs

O Natal do Senhor ilumina mais uma vez com a sua luz as trevas que muitas vezes cobrem o nosso mundo e o nosso coração, e traz esperança e alegria. De onde vem esta luz? Da Gruta de Belém, onde os pastores encontraram “Maria e José e o menino, deitado em uma manjedoura” (Lc2,16). Diante desta Sagrada Família surge outra pergunta e mais profunda: como pode aquele pequeno e frágil Menino ter trazido uma novidade tão radical ao mundo a ponto de mudar o rumo da história? Não há talvez algo de misterioso na sua origem que vai além daquela gruta?

Novamente emerge a pergunta sobre a origem de Jesus, a mesma que propõe o Procurador Pôncio Pilatos durante o processo: “De onde és tu?” (João19,29). No entanto, trata-se de uma origem bem clara. No Evangelho de João, quando o Senhor afirma “Eu sou o pão descido do céu”, os judeus regem murmurando: “Não é este Jesus, o filho de José? Dele não conhecemos o pai e a mãe? Como então pode dizer: “Sou descido do céu? (João 6,42). E mais tarde, os cidadãos de Jerusalém se opõem fortemente à provável messianidade de Jesus, afirmando que sabem bem “de onde é; o Cristo, em vez disso, quando vier, ninguém saberá de onde é (João 7,27). Jesus mesmo faz notar o quanto é inadequado a pretensão deles de conhecer a sua origem, mas quem me mandou é verdadeiro, e vós não o conheceis (João7,28). Certamente, Jesus é originário de Nazaré, nasceu em Belém, mas o que se sabe sobre a sua verdadeira origem?

Nos quatro Evangelhos emerge claramente a resposta à pergunta “de onde vem” Jesus: a sua verdadeira origem é o Pai, Deus; Ele vem totalmente Dele, mas de modo diverso de qualquer profeta enviado por Deus que o precederam. Esta origem do mistério de Deus, “que ninguém conhece”, está contida nas narrações sobre a infância de Jesus nos Evangelhos de Mateus e Lucas, que estamos lendo neste tempo natalício. O anjo Gabriel anuncia: “O Espírito Santo descerá sobre ti, o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso aquele que nascerá será santo e chamado Filho de Deus” (Lc1,35). Repetimos estas palavras cada vez que recitamos o Credo, a Profissão de fé: «et incarnatus est de Spiritu Sancto, ex Maria Virgine», “ por obra do Espirito Santo encarnou-se no seio da Virgem Maria”. Nesta frase nos ajoelhamos porque o véu que escondia Deus, vem, por assim dizer, aberto e seu mistério insondável e inacessível nos toca: Deus se torna o Emanuel, “Deus conosco”.

Quando escutamos as Missas compostas por grandes maestros da música sacra, penso, por exemplo, na Missa de Coroação de Mozart, notamos imediatamente como se detêm de modo particular nesta frase, como querendo expressar com a linguagem universal da música o que as palavras não podem manifestar: o grande mistério de Deus que se encarna, se faz homem.

Se considerarmos com atenção a expressão “por obra do Espírito Santo encarnou-se no seio da Virgem Maria”, encontramos nela quatro sujeitos activos. De modo explícito são mencionados o Espírito Santo e Maria, mas é subentendido “Ele”, isso é, o Filho, que se fez carne no seio da Virgem. Na Profissão de fé, o Credo, Jesus é definido com diversos apelativos: “Senhor,... Cristo, Filho unigênito de Deus,... Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,... consubstancial ao Pai” (Credo niceno-costantinopolitano). Vemos portanto que “Ele” refere-se a uma outra pessoa, a do Pai. O primeiro sujeito desta frase é então o Pai que, com o Filho e o Espírito Santo, é o único Deus.

Esta afirmação do Credo não diz respeito ao ser eterno de Deus, mas, sobretudo, nos fala de uma acção da qual fazem parte as três Pessoas divinas e que se realiza «ex Maria Virgine». Sem ela o ingresso de Deus na história da humanidade não teria chegado ao seu fim e não teria tido lugar o que é central na nossa Profissão de fé: Deus é um Deus connosco. Assim Maria pertence de modo irrenunciável à nossa fé em Deus que age, que entra na história. Ela coloca à disposição toda a sua pessoa, “aceita” tornar-se lugar da morada de Deus.

As vezes, também no caminho e na vida de fé podemos constatar a nossa pobreza, a nossa inadequação diante do testemunho a oferecer ao mundo.  Mas Deus escolheu justamente uma mulher humilde, em um vilarejo desconhecido, em uma das cidades mais distantes do grande império romano. Sempre, mesmo diante das dificuldades mais árduas a serem enfrentadas, devemos confiar em Deus, renovando a nossa fé na sua presença e acção na nossa história, como naquela de Maria. Nada é impossível para Deus! Com Ele a nossa existência caminha sempre em um terreno seguro e está aberta a um futuro de firme esperança.

Professando no Credo: “por obra do Espírito Santo encarnou-se no seio da Virgem Maria”, afirmamos que o Espírito Santo, como força de Deus Altíssimo, operou de modo misterioso na Virgem Maria a concepção do Filho de Deus. O evangelista Lucas narra as palavras do arcanjo Gabriel: O Espírito descerá sobre ti e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra” (1,35). Duas referências são evidentes: a primeira é o momento da criação. No início do Livro do Gênesis lemos que: “o espírito de Deus pairava sobre as águas” (1,2); é o Espírito criador que deu vida a todas as coisas e ao ser humano. Isso acontece em Maria, através da acção do mesmo Espírito divino, é uma nova criação: Deus, que chamou o ser do nada, com a Encarnação dá vida a um novo inicio para a humanidade. Os Padres da Igreja muitas vezes falam de Cristo como o novo Adão, para marcar o início da nova criação a partir do nascimento do Filho de Deus no seio da Virgem Maria. Isto nos faz reflectir sobre como a fé traz também em nós uma novidade tão forte capaz de produzir um segundo nascimento. De fato, no início do ser cristão há o Baptismo que nos faz renascer como filhos de Deus, nos faz participantes na relação filial que Jesus tem com o Pai. E gostaria de destacar como o Baptismo se recebe, nós “somos batizados” – é passivo- porque ninguém é capaz de tornar-se filho de Deus por si mesmo: é um dom que vem conferido gratuitamente.

São Paulo recorda essa filiação adoptiva dos cristãos em uma passagem central da sua Carta aos Romanos, onde escreve: “todos aqueles que são guiados pelo Espírito de Deus, estes são filhos de Deus. E vós não recebestes um espírito da escravidão para cair novamente no medo, mas recebestes o Espírito que torna filhos adoptivos, por meio do qual clamamos: “Abá! Pai!”. O próprio Espírito, junto ao nosso espírito, atesta que somos filhos de Deus” (8,14-16), não servos.

Somente se nos abrimos à acção de Deus, como Maria, somente se confiamos a nossa vida ao Senhor como a um amigo no qual confiamos totalmente, tudo muda, a nossa vida adquire um novo sentido e uma nova face: de filhos de um Pai que nos ama e nunca nos abandona.

Falamos de dois elementos: o primeiro elemento o Espírito sobre a água, o Espírito Criador; há outro elemento nas palavras da Anunciação.

O anjo diz a Maria: “O poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra”. Isto recorda a nuvem santa que, durante o caminho do êxodo, parava sobre a tenda do encontro, sobre a arca da aliança, que o povo de Israel levava consigo, e indicava a presença de Deus (cf Ex 40,34-38). Maria, então, é a nova tenda santa, a nova arca da aliança: com o seu “sim” às palavras do arcanjo, Deus recebe uma morada neste mundo, Aquele que o universo não pode deter toma lugar no ventre de uma virgem.

Retornemos à questão com a qual iniciamos, aquela sobre a origem de Jesus, sintetizada pela pergunta de Pilatos: “De onde és tu?”. Das nossas reflexões parece claro, desde o início dos Evangelhos, qual é a verdadeira origem de Jesus: Ele é Filho unigénito do Pai, vem de Deus. Estamos diante do grande e desconcertante mistério que celebramos neste tempo de Natal: o Filho de Deus, por obra do Espírito Santo, encarnou-se no seio da Virgem Maria. E este é um anúncio que soa sempre novo e que traz em si esperança e alegria ao nosso coração, porque nos doa toda vez a certeza de que, mesmo se muitas vezes nos sentimos fracos, pobres, incapazes diante das dificuldades e do mal do mundo, o poder de Deus age sempre e opera maravilhas propriamente na fraqueza. A sua graça é a nossa força (cf 2 Cor 12, 9-10). Obrigado.

Após a catequese Bento XVI dirigiu a seguinte saudação em português:
A minha saudação amiga para todos os peregrinos de língua portuguesa, desejando que a luz do Salvador divino resplandeça intensamente nos vossos corações, para serdes semeadores de esperança e construtores de paz nas vossas famílias e comunidades. Com estes votos de um Ano Novo sereno e feliz para todos, de coração vos abençoo.


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